Como linguagem da comunicação, manifestação dos sentimentos
e mais alta expressão da alma, a música é tão antiga quanto
a humanidade. Para alguns autores, é anterior à palavra e
só pode ser de origem divina. Não há povo, desde a antiguidade,
em que não se encontrem manifestações musicais, uma vez
que o próprio homem é um ser musical. Seu instrumento primeiro
e natural é a voz, que produz o som, acompanhada do
ritmo, como, por exemplo, no gesto de bater as mãos... De
modo que o culto pela música sempre acompanhou os povos
desde os tempos mais antigos, através do som e do ritmo,
os dois elementos fundamentais da música, evoluindo
aos poucos para a fabricação de instrumentos e para o canto,
uníssono e coral.
O povo de Israel sempre usou o canto e a música nas festas
e celebrações religiosas. A Bíblia faz centenas de referências
à música e ao canto, presentes na vida e caminhada do povo
desde sua origem — o Gênesis, que cita Jubal, o primeiro
a tocar o kinnôr, espécie de harpa, até seu destino final
glorioso narrado no Apocalipse, com o som de trombetas
acompanhando o cântico novo dos redimidos pelo San-
gue do Cordeiro... Um canto para celebrar a ação salvífica
de Deus em sua história; um canto como sinal e instrume-
nto do mistério; um canto para transmitir uma mensagem
e solenizar as festas; um canto feito clamor jubiloso ou
triste lamento, unido à poesia e à dança, em geral
acompanhado por instrumentos diversos.
O Cântico de Moisés e Maria (Ex 15) é um dos mais
antigos e importantes, composto para celebrar a
derrota dos egípcios e a intervenção de Deus na libertação
do seu povo, quando da passagem do Mar Vermelho,
acompanhado por danças e tímpanos. Até hoje faz parte
da tradição litúrgica judaica, e os cristãos o entoamos na Vigília
Pascal. O Cântico dos Cânticos, atribuído a Salomão, e que,
segundo a Bíblia Pastoral, deveria ser traduzido como
“O cântico por excelência” ou “o mais belo cântico”, é uma
coletânea de canções de amor; celebra
o amor humano e divino, revelando a ternura de Deus pela
humanidade, tornado visível em Jesus Cristo. O rei Salomão
dava muito destaque à música nas liturgias solenes do
Templo de Jerusalém, empregando milhares de músicos,
sobretudo nas grandes festas, como a transferência da Arca
da Aliança para a cidade de Davi, acompanhada por grandes
louvores e aclamações, danças e toque de instrumentos,
conforme está descrito em 2Sm 6,5ss; 1Cor 15,16 e outros textos.
A época de maior desenvolvimento musical aconteceu nos
reinados de Salomão e Davi que, apresentado a Saul como
músico (1Sm 16,16) — ele próprio cantava, tocava e dançava
diante da Arca (2Sm 6) —, organizou os coros levíticos para o
serviço litúrgico, conforme 1Cr 23 e 25. Formou-se assim
uma tradição musical, quando foram organizados e compilados
os Salmos, com 150 poemas líricos que formam o coração
do Antigo Testamento e são o lado orante da Bíblia. Constituem
eles o Saltério, a forma mais ampla, completa e bela da canção
litúrgica judaica, abrangendo desde as exclamações de alegria
e louvor ao pedido de socorro e prece suplicante, em geral
acompanhados por instrumentos e dança. O povo judeu
cantou sua religião, louvando
o Senhor, suplicando sua ajuda, confiando em sua
misericórdia, aclamando seu poder.
Os Salmos e Cânticos do Antigo Testamento foram
compostos ao longo de milhares de anos, por isso mesmo, não
sendo de nenhum tempo, dão certo para todos os tempos
e espaços,
cabendo em qualquer coração humano, conforme Carlos Mesters.
Também Jesus, judeu plenamente, bebeu da fonte dos salmos e
cânticos bíblicos, frequentando a sinagoga e o templo, participando
das festas litúrgicas. Na última ceia, cantou com os discípulos os
salmos e hinos do rito pascal. Ele próprio se tornou
“o cantor admirável dos salmos”, no dizer de Santo
Agostinho, e nele os salmos ganharam sentido pleno. Por isso
mesmo, o Livro dos Salmos deve ser o grande referencial aos
que se dedicam à música e ao canto litúrgico.
Concluindo este breve resumo, cito, de pleno acordo, as
sábias palavras de Carmine Di Sante, em seu livro Liturgia
Judaica – Fontes, estrutura, orações e festas, da Editora
Paulus: “O judaísmo não é o negativo sobre o qual se faz
sobressair o positivo de Jesus e do cristianismo, mas é a
“divina melodia”, cuja beleza nos dá a medida da grandeza
e da originalidade de Jesus e da cristandade”.
FONT:
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